Noite de São João
Papai, onde está a caixa de fósforos?
Quero ascender as estrelinhas.Aqui, Pedrinho, mete a mão no bolsoe tira, mas cuidado; São João não quer ver menino queimado...Na porta da cozinha, Dona Zefa chamou a criançada:
- Vamos gente! Quem quer canjica? Está saindo do fogoOuvindo a palavra fogo, Chico Vicente, o jardineiro, que sentadonum cantinho mais escuro do quintal, enrolava um cigarro de palha,murmurou entre dentes:- Esta fumaceira vai acabar com as minhas plantas; todo ano é isso...
Não fosse louvar o meu Santinho, palavra eu me arreliava e acabava com isto.Punha água na fogueira e dava todos estes fogos pra festa de igreja.Enfim...Chico Vicente andava zangado desde a véspera; a criançada quebrara o melhor galho da laranjeira nova, para botar na fogueira.Aquilo fora de cortar o coração do pobre jardineiro.Era isto que fazia tão arreliado contra aquela modesta festinha de quintal suburbano.
Chico Vicente lanço um olhar em tôrno, parando, depois, para admirar um lindo chuveiro de cores que Pedrinho soltava, bem próximo ao braseiro.
- Este menino não tem medo de fogo, “Seu” “Aquiles”; disse ele ao patrão.- São João protege, Chico Vicente; falou ele, no seu otimismo de pai cansado de ver as diabruras dos filho. Olhe, eu quando menino, me divertia bastante nestas festas de junho; e graças a Deus nunca me queimei.E correu um olhar, cheio de recordações, pelas lanterninhas brilhantes e coloridas que balançavam ao sabor do ventinho frio, que gelava naquela noite. Pensou com ternura nos quatro filhos, Pedro, Célia, Julinho e Carlos - divertiam ali no quintal, tão felizes, com tão pouco.
Aquilo era festa de crianças....
A fogueira estalava erguendo nuvens de fumaça escura; fagulhas saltavam e subiam, ao sôpro do vento; labaredas vorazes consumiam galhos ainda verdes que a criançada juntara na véspera, num grande monte, no centro do quintal. Sentindo o calor queimar-lhe as faces, Chico Vicente mudou de lugar resmungando:- Ah! Minha pobre laranjeira; um galho bom para fazer um enxerto...E chamando: - Julinho! Ó Julinho! Diga a seu irmão que os galhos verdes fazem muita fumaça. Que para o ano ele se lembre disso...- Sim, Senhor, respondeu o menino, e prosseguiu na mastigação penosa dum gomo de cana, até vê-lo bem sêco e esfiapado.Dói o dente... Mas é tão bom...- disse ele baixinho, lançando o bagaço ao fogo. Aquele simulacro de arraial fora preparado com todo o carinho e antecedência, sob gritinhos de entusiasmo dos meninos e meninas das vizinhanças. Não faltaram ali os fios de bandeirinhas muilticolores, as lanternas e o mastro com a imagem de São João, novinha, comprada na Papelaria Central. Esta fôra a contribuição do Alceu, vizinho do lado, que há um mês não comprava pipocas, para economizar três cruzeiros e adquirir aquela gravura tão bonita: um São João Menino, muito gorducho e rosado, tendo ao colo um carneirinho branco, de olhar cheio de santidade e candura. Naquele pequenino arraial não faltou também a tabuleta que a todos anuciavam:
”Arraial da Felicidade”, em tinta vermelha,
e mais abaixo, em letras azuis:
“Aqui mandam as crianças da Rua Isolina.”
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